Por que o Novo Testamento judaico? Por que a versão do Novo Testamento difere das demais? Porque o Novo Testamento Judaico deixa transparecer sua judaicidade originária e essencial. Todas as outras versões do Novo Testamento em português - há literalmente dezenas - apresentam sua mensagem na abordagem lingüística, cultural e teológica dos não-judeus cristãos. O que há de errado com isso? Nada! Ainda que o Evangelho seja de origem judaica, ele não existe só para os judeus, mas também para os não -judeus. O próprio Novo Testamento deixa isso muito claro; portanto, é apropriado que sua mensagem seja comunicada aos não-judeus para lhes impor o mínimo possível de outra bagagem cultural. Esta abordagem tem sido bem -sucedida: milhões de não-judeus depositaram sua confiança no Deus de Avraham, Yitz'chak e Ya'akov e no Messias judeu, Yeshua.
O Novo Testamento é um livro judaico. Entretanto, chegou o tempo de restaurar a judaicidade do Novo Testamento. Pois o Novo Testamento é de fato um livro judaico - escrito por judeus, que trata majoritariamente de judeus e que tem por público-alvo judeus e não-judeus. É correto adaptar um livro judeu para a melhor apreciação dos não-judeus, mas não ao preço de suprimir sua judaicidade intríseca. O Novo Testamento Judaico evidencia suas características judaicas já no título, da mesma forma que o nome "Judeus por Jesus" une duas idéias consideradas incompatíveis e completamente dissociadas por algumas pessoas. Entretanto, essa separação não pode existir. A figura central do Novo Testamento, Yeshua, o Messias, era um judeu nascido de judeus em Beit-Lechem, cresceu entre os judeus em Natzeret, ministrou aos judeus na Galil, morreu e ressuscitou na capital judia, Yerushalayim - tudo isso em Eretz-Yisra'el, a terra dada por Deus ao povo judeu. Além disso, Yeshua ainda é judeu, porque ainda está vivo, e em nenhum lugar a Escritura afirma ou sugere que ele tenha cessado de ser judeu. Seus 12 seguidores mais íntimos eram judeus. Durante anos, todos os seus talmidim eram judeus, alcançando o número de "dezenas de milhares" só em Yerushalayim. O Novo Testamento foi escrito inteiramente por judeus (Lucas era, ao que tudo indica, um prosélito do judaísmo); e sua mensagem é dirigida "especialmente ao judeu, mas também ao não-judeu". Os judeus levaram o evangelho aos não-judeus, e não o inverso. Sha'ul, o principal emissário aos não-judeus, foi durante toda a sua vida um judeu praticantae, como evidencia o livro de Atos. De fato, a principal questão no início da comunidade messiânica ("igreja") não era se um judeu poderia crer em Yeshua, mas se um não-judeu poderia se tornar cristão sem se converter ao judaísmo. A expiação vicária do Messias tem sua raíz no sistema sacrificial judaico. A ceia do Senhor originas-se da Páscoa judaica. A imersão ("batismo") é uma prática judaica. Yeshua disse: "A salvação vem dos judeus". A própria Nova Aliança foi prometida pelo profeta judeu Jeremias. O próprio conceito do Messias é exclusivamente judaico. A bem da verdade, o Novo Testamento completa o Tanakh, as Escrituras hebraicas outorgadas por Deus ao povo judeu; de forma que o Novo Testamento sem o Antigo é tão impossível quanto o segundo pavimento de uma casa sem o primeiro, e o Antigo sem o Novo é como uma casa sem teto. Além do mais, muito do que está escrito no Novo Testamento é incompreensível à parte do contexto judaico. Eis aqui um exemplo, extraído de muitos outros.Yeshua disse leteralmente no Sermão do Monte: "Se o seu olho for mau, todo o seu corpo estará em trevas". O que é um "olho mau"? Alguém que desconheça o pano de fundo judaico poderia supor que Yeshua estivesse falando sobre algum tipo de encantamento. Todavia, em hebraico, possuir um 'ayin ra'ah, "olho mau", significa ser sovina; ao passo que ter um 'ayin tovah, "olho bom", equivale a ser generoso. Yeshua está simplesmente incentivando a generosidade e desestimulando a avareza. Esse entendimento combina muito bem com os versículos do contexto: "Onde estiver seu tesouro, aí também estará seu coração [...] você não pode ser escravo de Deus e do dinheiro". Contudo, a melhor demonstração do caráter judaico do Novo Testamento é também a prova mais convincente de sua veracidade, ou seja, o número de profecias do Tanakh - todas muitos séculos mais velhas que os acontecimentos de Natzeret. A probalibidade de que qualquer pessoa pudesse se encaixar em dezenas de condições proféticas por mero acaso é infinitesimal. Nenhum candidato farsante ao messiado, como Shim'on Bar-Kokhva ou Shabatai Tzvi, cumpriu mais do que umas poucas. Yeshua cumpriu as profecias referentes à sua primeira vinda; a seção 7 mais adiante alista 52. As restantes serão cumpridas quando ele retornar em glória. Dessa forma, o Novo Testamento Judaico considera normal pensar no Novo Testamento como algo judeu. Há trés áreas adicionais nas quais o Novo Testamento Judaico pode ajudar em relação a tkkun-ha'olam ("conserto do mundo"): o anti-semitismo cristão, a recusa judaica de receber o evangelho e a separação entre a igreja e o povo judeu.
O anti-semitismo cristão. Inicialmente, um círculo vicioso de anti-semitismo cristão se alimenta do Novo Testamento. O Novo Testamento não contém nenhuma forma de anti-semitismo, mas, desde os primeiros dias da igreja, os promotores desse conceito têm distorcido o Novo Testamento para justificar-se e se infiltrar na teologia cristã. Alguns tradutores do Novo Testamento, ainda que não tenham sido anti-semitas, absorveram a teologia anti-semita e produziram traduções antijudaicas. Os leitores dessas traduções acabaram assumindo posturas anti-semitas e hostis ao judaísmo. Alguns desses leitores se tornaram teólogos que refinaram e desenvolveram o caráter anti-semita da teologia cristã (eles poderiam até mesmo não ter consciência desse sentimento); ainda outros se tornaram ativistas em prol do anti-semitismo e perseguiram os judeus, pensando agradar a Deus enquanto procediam assim. Esse círculo vicioso precisa ser quebrado. O Novo Testamento Judaico é uma tentativa de remover erros teológicos anti-semitas multisseculares e destacar positivamente sua judaicidade.
A desconfiança judaica em relação ao evangelho. Em segundo lugar, apesar de mais de 100 mil judeus messiânicos habitarem em países de língua inglesa, é óbvio que a maior parte do povo judeu não aceita Yeshua como Messias. Ainda que as razões possam incluir a perseguição cristã aos judeus, as cosmovisões seculares que cedem pouco espaço para Deus ou um messias, e a recusa de se arrepender dos pecados, o motivo principal é o sentimento de que o evangelho lhes é irrevelante. Esse sentimento origina-se parcialmente do modo pelo qual o cristianismo representa a si mesmo, mas também da alienação induzida pela maior parte das versões do Novo Testamento. Com a ornamentação cultural cristã gentílica e suas justificativas teológicas antijudaicas, levaram muitos judeus a pensar que o Novo Testamento se tratava de um livro não-judeu sobre uma divindade dos não-judeus. O Jesus apresentado por eles diz pouco a respeito da vida judaica. Torna-se difícil para o judeu experimentar Yeshua, o Messias, como ele realmente é - amigo de todo judeu. Ainda que o Novo Testamento Judaico não consiga eliminar todas as barreiras entre os judeus e a confiança no seu Messias, ele remove alguns obstáculos lingüísticos, culturais e teológicos. O judeu que ler o Novo Testamento Judaico poderá experimentar Yeshua como o Messias prometido pelo Tanakh ao povo judeu; poderá perceber que o Novo Testamento é tão importante para os judeus quanto para os não-judeus; e será confrontado com a mensagem integral da Bíblia, os dois Testamentos juntos, como verdadeiros, importantes e dignos de aceitação, a chave para a salvação pessoal e de seu povo.
A separação entre a comunidade messiânica e o povo judeu. Em último lugar, séculos de rejeição judaica de Yeshua e de refeição cristão em relação aos judeus produziram a situação na qual nos encontramos: cristianismo é cristianismo, e judaísmo é judaísmo, e os dois jamais se encontrarão. Além disso, muitos judeus e cristãos estão satisfeitos com essa situação. Entretanto, não é da vontade divina a existência separada de dois povos de Deus. Os cristãos não-judeus que reconhecem sua união a Ysra'el, e não sua substituição, e os judeus messiânicos plenamente identificados com o povo e o Messias judeu, Yeshua, devem trabalhar conjuntamente para reunificar o grande cisma da história mundial, a divisão existente entre a igreja e o povo judeu. O Novo Testamento Judaico tem um papel a desempenhar na grande tarefa de reunir os dois grupos, a fim de preservar a identidade judaica na comunidade messiânica, na qual judeus e não-judeus honram a Deus e seu Messias de acordeo com o Tanakh e o Novo Testamento.
David H. Stern, O Novo Testamento Judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.