Por Marcelo M. Guimarães
Por longos anos servi ao Senhor no catolicismo e mais tarde no meio evangélico. Desde então tenho buscado entender profundamente a Palavra de HaShem[1] no seu contexto original, bem como apropriar de todo o sortimento de bênçãos que a mesma proporciona. Consequentemente, mais se cresce em fé e em maturidade, quando se quer descobrir e viver autenticamente o propósito para o qual fomos chamados. Sob esse prisma, podemos também entender que toda experiência passada em sistemas religiosos não foram em vão e, de tudo, podemos tirar proveito tanto para benefício próprio como para o bem comum.
Não é fácil mudar conceitos. Imagino como Lutero sofreu com aquele clero religioso, ortodoxamente zeloso com toda a tradição e fiel à sua ordem religiosa. Creio que é necessário um momento de reflexão, coragem e muita disposição para pagar um preço muito alto por uma causa mais justa, por uma melhor qualidade da fé, por uma mudança de conceitos e atitudes em relação à fidelidade da Palavra inspirada por Deus. Lutero pagou com sua própria ex-comunhão da Igreja Católica. Muita coisa tem mudado de lá para cá no meio cristão, mas há muito ainda que se fazer em termos de uma autêntica restauração de princípios, doutrinas, liturgias, costumes e tradições, tomando como base a igreja do primeiro século.
Nosso Deus é bom e eu já percebi que Ele tem prazer quando trabalhamos debaixo da Sua dependência e no tempo determinado por Ele. Tudo precisa estar no Seu tempo. Ele também nos trata lentamente, dando-nos tempo suficiente para que cresçamos e amadureçamos. A verdade é que nós nunca estamos preparados para uma mudança radical, principalmente, quando precisamos assumir, humildemente, nossos próprios erros e fraquezas. Confesso que não sei o que acontecerá, mas sinto uma força interna dentro de mim que me impulsiona para frente, para ver e gerar uma Igreja pura, santa e sem defeito, sem ruga e sem mácula, pois a noiva de Yeshua é nova. Esta é uma grande revelação que há muito tempo recebi do Senhor. A noiva é nova, pois ela não tem rugas. Isto me mostra que esta igreja que está aí liderada por santos homens de Deus precisará também passar por mudanças radicais. A noiva do Senhor é nova e nosso noivo é um jovem-adulto judeu. Poucas pessoas atentam para isto. Jesus como judeu procura uma noiva, ou seja, uma Igreja constituída por judeus e gentios, mas ambos circuncisos de coração, vivendo em unidade.
O movimento judaico-messiânico que tem renascido nas últimas décadas ainda deixa muito a desejar. Na ânsia de restaurar a judaicidade perdida, acabam restaurando com as melhores das intenções, um judaísmo medieval quando não contemporâneo, muitas vezes, desconexo com a Bíblia e distante daqueles princípios vividos e proclamados pelos primeiros judeus seguidores de Yeshua no primeiro século de nossa era. Confesso que não avocarei para mim nenhuma responsabilidade de como mudar e nem ousado serei ao estabelecer padrões, normas ou doutrinas, etc. para o meio cristão. Mas, sabemos que é necessário de imediato treinar líderes e fortes líderes, aptos e competentes a trabalharem na obra, discernindo as adversidades do mundo espiritual. Eles Terão que enfrentar principados e potestades jamais vistos. E para isto esses homens terão que estar certos e convictos de seu chamado divino, capacitados, adestrados, destemidos para a guerra. É o tempo do Senhor que se aproxima num meio de uma perdição e distanciamento dos valores morais, éticos e sociais.
O que poderíamos sugerir?
1- Primeiro, é necessário assumir uma atitude sincera, honesta e humilde que mudanças são necessárias, se desejamos prosseguir no cumprimento profético da Palavra. O sistema religioso de Roma, as fraquezas e imperfeições dos líderes da Igreja evangélico-cristã provocaram um afastamento dos princípios bíblicos vividos e promulgados pelos apóstolos no primeiro século;
2- Segundo, deve-se reconhecer também que houve um distanciamento do contexto judaico, principalmente na interpretação do Novo Testamento, o que abriu brecha para que uma grande gama de costumes e tradições pagãs infiltrassem no cristianismo;
3- Terceiro, um conceito deturpado denominando os livros da Tanach[2] judaica de “velho ou antigo” testamentos implicou numa má interpretação e correlação entre a Graça e a Lei. Desta dicotomia, surgiram falsos conceitos que a lei é antiquada e obsoleta ( exceto o dízimo, na opinião de muitos líderes cristãos) e que deve ser guardada somente pelo rejeitado povo judeu, e que a Graça, maravilhosa graça, é para os gentios crentes que vivem agora numa dispensação divina que permite ousadamente se fazer de quase tudo, uma vez que a obra da cruz resolve e apaga todo o tipo de problemas e situações indesejadas, etc.
4- A Igreja de Yeshua deve se arrepender nos pontos em que se desvirtuou, revendo sua doutrina e sua teologia, tendo como único padrão, a bíblia, hermeneuticamente interpretada no contexto original (não se esquecendo das antigas e sábias regras da Midrash[3] judaica);
5- Deve-se ter a humildade de aceitar e reconhecer, submissamente, o que o Espírito Santo tem feito e ainda fará no Corpo de Cristo;
6- Todo o Novo Testamento precisa ser reestudado e reavaliado dentro do contexto judaico, ressaltando os princípios vividos e proclamados por Yeshua e seus apóstolos e discípulos. Por exemplo, os livros de Atos, Romanos, Gálatas trazem relevantes e profundas revelações que ainda não são totalmente entendidas e praticadas pela Igreja;
7- Ser paciente e tolerante com aqueles que virão em resistência e oposição, tendo em mente que nem todos estarão aptos às mudanças. Uns entenderão e descobrirão novos caminhos, outros aceitarão parte da restauração e, finalmente, outros não acatarão nenhuma mudança e permanecerão do modo que se encontram e talvez ainda pior.
O QUE RESTAURAR DO SISTEMA ATUAL ?
Serão mencionados abaixo alguns tópicos práticos que poderiam ser implantados de imediato. Tais itens são de livre opção e de modo nenhum tenho a intenção de padronização ou normalização de doutrinas, ritos, credos ou mesmo de tradições bíblico-culturais. Mas, creio, ser já um início de um novo tempo para Igreja gloriosa que está por vir, uma nova geração de crentes no Senhor Messias, Yeshua.
Meu propósito é chamar atenção do Corpo de Cristo para a necessidade de voltarmos somente para a bíblia. Os itens mencionados abaixo constam em nosso Projeto de Restauração chamado “Ben Yamin”, o qual se baseia na restauração pela palavra a nível do indivíduo, sendo que indivíduo restaurado gerará uma família restaurada e um conjunto de famílias restauradas produzirão, conseqüentemente, uma igreja restaurada.
- A Restauração do Indivíduo.
A restauração da alma do indivíduo é bem conhecida por todos e, por isso, dispensamos comentários. Trata-se da cura e libertação da alma pela Palavra de Deus.
- A Restauração da Família
O mover do Espírito Santo de Deus tem nos levado a isto. Lembro-me que há 20 anos, iniciava-se um grande mover para a “cura interior” do indivíduo. Grandes seminários e cursos eram dados em muitas igrejas evangélicas. Logo depois, deu-se início aos seminários e encontros para casais. O movimento “Casados para sempre” é um bom exemplo disso. Eu, pessoalmente, interpreto isto como obra do Espírito Santo de Deus. Até hoje, temos inúmeros ministérios de casais espalhados no meio cristão. Em seguida, começou-se a enfatizar os “Encontros nos Lares”, os quais também têm contribuído para que a família seja vista como parte integrante da Igreja. É certo afirmar que tudo isto tem trazido mais harmonia e estabilidade, cumprindo o propósito e plano divino. Em suma, a restauração da família se dá pela restauração individual de seus membros, quando pai, mãe e filhos vivem e desempenham seus papéis segundo a Palavra de Deus.
- A Restauração da Igreja
Esta tem sido agora a ênfase do nosso Ministério. Percebemos também que estão surgindo ao redor do mundo, ministérios específicos de ensino mais do que em todos os tempos. É o mover do Espírito Santo de Deus, agindo, progressivamente, preparando sua noiva, sua igreja. Fórmulas, modelos, estão sendo testados. Perguntas como: - Devemos dividir o Corpo de Cristo em células ou devemos deixá-lo como Corpo, porém mudando a forma de tratá-lo? Nossas comunidades e congregações devem ser menores a fim de que o presbitério fundamental de pastores, mestres profetas, evangelistas e apóstolos possam trabalhar em conjunto? Como está o relacionamento entre os irmãos de uma mesma igreja ou congregação local? O que se pode fazer para que os membros tomem consciência que o importante é ser discípulo de Yeshua e não simplesmente um membro anônimo no meio cristão? Como fazer que os discípulos de Yeshua levem a sério suas responsabilidades e deveres no Corpo? Até que ponto podemos crescer o número de membros de uma igreja local a fim de evitar a massificação, a falta de comunhão e unidade?
Muitas perguntas tem-se feito em nossos dias e creio, que toda esta busca de autenticidade implicará numa Igreja gloriosa e eficaz.
Assim, listaremos apenas alguns tópicos que deveriam merecer uma melhor reflexão, ressaltando que não é nosso propósito resolver o problema desta ou daquela igreja, como já mencionamos. Nosso entendimento é muito simples:- O Senhor Jesus está voltando e Ele próprio prepara sua noiva para o grande encontro, como devemos, então, estar e nos apresentar? Qual o padrão bíblico proposto além da santidade e de uma vida íntegra com Deus?
Meditemos, então, em alguns tópicos que estão incluídos em nosso projeto de Restauração:
1- Há muitas tradições da igreja de Roma no meio das nossas igrejas que precisam passar pelo crivo da Palavra, como certas liturgias, doutrinas sobre ceia, batismo, casamentos, o próprio sermão ao invés de ensino bíblico, etc.
2- Alguns ensinos dos pais da Reforma, Lutero, Calvino e outros precisam também passar por uma reavaliação de conceitos. Por exemplo, as atitudes anti-semitas de Lutero, a teologia da substituição ( Igreja substituiu Israel e o povo judeu), a falta de entendimento sobre a correlação e interdependência entre a Lei e a Graça, são bons exemplos que precisamos de uma restauração;
3- idem, quanto ao exagero e abuso trazidos pelos movimentos americanos da “ Palavra da Fé”, como por exemplo, o exagerado e incompleto conceito de prosperidade, vida fácil para aqueles que se convertem, sucessos financeiros pela fé, mercantilismo da fé, etc.
4- Buscar entendimento no Antigo Testamento sobre outras bênçãos além dos dízimos e prosperidade, como por exemplo, conhecer ( não impor à igreja ) os princípios divinos sobre alimentação, qualidade de vida, leis éticas, sociais, relação patrão-empregado, leis circunstanciais, leis específicas para o povo judeu e gentios, leis de liderança e governo, etc.
5- Entender no contexto judaico os princípios vividos e promulgados pelos apóstolos no primeiro século, como por exemplo, o conceito de unidade, comunhão, costumes e forma de estudar semanalmente a Palavra como Yeshua praticava nas sinagogas de sua época são desconhecidas pela Igreja em geral.( aqui encontra-se o antigo costume do estudo das “Parashiot e das Haftarot” Estudo da Torá e dos Profetas em porções semanais introduzido no tempo de Esdras e Neemias),etc.
6- Eliminar de vez o sincretismo religioso existente em nosso meio, além das “vendas” de bênçãos, promessas, costumes pagãos que tentam materializar a fé por meio de objetos, líquidos, superstição, amuletos, etc.
7- Expurgar costumes mundanos e mesmo pagãos dentro da Igreja, como por exemplo, certas festas pagãs, incluindo suas músicas, estilos de danças fora de um padrão aceitável, etc.
8-Deve-se voltar para obra missionária e social. As igrejas evangélicas tem feito muito pouco nestas áreas, principalmente, no aspecto social de ajuda aos carentes e pobres, quer sejam eles crentes ou não crentes.(Grandes investimentos são feitos em prédios, acampamentos e outros bens, enquanto outras áreas importantes com base bíblicas são esquecidas);Por exemplo, em nossa congregação tem funcionado muito bem o serviço assistencial odontológico, onde todos podem receber tratamento dentário gratuito ou a preços módicos. O que pode pagar, paga barato, pois os dentistas são também irmãos voluntários, e aqueles que não podem pagar, não pagam. Por que não poderíamos ampliar este tipo de assistência para a área médica, jurídica, social, psicoterapeuta e outras?
9-Envolvimento dos líderes da igreja com o Estado e com a política devem ser avaliados; É necessário, sobretudo, amor e unidade e menos competição entre denominações. A liberdade e escolha política de candidatos devem ser respeitadas, pacificamente. As desavenças entre eles envergonham a todos os crentes, independente da denominação religiosa, além do mau testemunho na sociedade;
10-Rever nosso modo de louvor e adoração, incluindo a qualidade das músicas que são cantadas e tocadas em nossas igrejas; Será que o samba, o forro evangélico, etc. foram criados com a intenção de louvar a Deus? Será que tomando ritmos profanos os mesmos são santificados através de letras dos corinhos evangélicos?
11-Restaurar palavras e seus conceitos segundo a língua vernácula da bíblia que é o hebraico. A riqueza da língua grega não anula a riqueza e a preciosidade da língua hebraica, a qual foi usada pelo próprio Deus para se expressar á humanidade. De um simples significado da palavra “amém[4]” à complexidade da Midrash poderiam em parte ser restaurados.
12- É necessário descontextualizar o evangelho que foi pregado aos gentios, tornando-o contextualizado judaicamente conforme os princípios vividos e proclamados pelos apóstolos no primeiro século; por outro lado, os judeus crentes que foram descontextualizados para várias comunidades gentílicas devem procurar voltar ao contexto judaico do evangelho;
13-O anti-semitismo é anti-cristão (o judaísmo bíblico é a base do cristianismo); há promessas para Israel e o povo judeu ser salvo; A oliveira, a família de Deus, é constituída de judeus e gentios- Ef 2; Rm11; Gen17...
14-Conexão com os judeus e com Israel.
Deixar de levar as boas novas aos judeus é uma forma de anti-semitismo. Porém, judeu não deve ser evangelizado por meio de planfletos jogados em suas portas e tão menos frente às sinagogas. É necessário amá-los e aproximar-se deles, não impondo a sua fé “cristã”, porque na verdade ela é uma fé de raízes judaicas. Mas, mostrando com base no “Tanach” a pessoa do Messias Yeshua judeu, não o Deus dos cristãos. Nunca tentar “desconverter” o judeu do judaísmo bíblico e querer transformá-lo como membro de uma igreja cristã, salvo se ele mesmo o deseja. Ele é judeu, crê na mesma bíblia (Antigo Testamento) que você crer, então, basta apresentar a ele a Pessoa do Messias Ben Yosef, Jesus filho de José, que veio morrer para salvar a humanidade e que Jesus, como Ben David, o Rei dos Reis ainda não veio, mas está vindo. São inúmeras as passagens bíblicas no Antigo Testamento que nos ensinam diferenciar o Jesus como Ben José (filho de Josè) e Jesus como filho de David, quando voltará para estabelecer um reino de paz e poder;
15-Como será abençoada a Igreja ?
- “Te abençoarei os que te abençoarem (bênçãos espiritituais e materiais)”- (Gen 12:3; Rm 15:27);
- Como já dito acima, levando as Boas Novas aos judeus você estará colaborando para a vinda do Messias em Glória.(Rm11:15)
- “Orai pela paz de Jerusalém; prosperem aquele que te amam”. A Igreja se esquece muitas vezes que o inferno não prevalece contra ela, e por isso, ela pode gerar a salvação de Israel, orando por Jerusalém. Orar por Jerusalém nos traz prosperidade, ou seja, paz, no contexto original. Por que não podemos ter o hábito de orar por Jerusalém em todos os cultos e encontros que se tem na igreja? Yeshua volta para Jerusalém e não para Paris ou Roma ou São Paulo!
15-Como será abençoado o povo judeu?
- pela igreja gentílica enxertada na verdadeira oliveira, levando para eles a seiva de Yeshua;
- A igreja irá colocar ciúmes no coração de Israel e nos judeus não crentes. Mas pelo amor e misericórdia para com eles todos serão alcançados; (Rm 9:11,26)
16 - Deus concluirá seu plano de salvação para com os judeus e nação de Israel (Rm11:26) e implantará seu reino ( Ap 20:2) com seus eleitos judeus e gentios justificados pela pessoa do messias Yeshua Há Mashiach;
Está claro que estamos começando a levantar este assunto da restauração segundo os moldes da igreja do primeiro século e cremos que o Senhor nos trará muitas revelações sobre este tema. O que sabemos e temos certeza é que Yeshua está voltando e tem pressa em ter sua igreja restaurada segundo o desejo de Seu Pai Celestial.
Oremos por tempos melhores e por maior unidade e tolerância entre nós! Que o mundo seja alcançado pelo nosso testemunho de fé e ação.
No sincero shalom,
(*) Marcelo M. Guimarães
(rabino messiânico ordenado pelo Netivyah de Israel e pela UMJC dos USA. Fundador e presidente do Ministério Ensinando de Sião e da Congregação Har Tzion em Belo Horizonte-MG
Sião@ensinandodesiao.org.br – www.ensinandodesiao.org.br)
[1] HaShem, quer dizer “ O nome “ referindo-se ao santíssimo nome de Deus.
[2] Tanach – Acróstico das palavras Torá, Neviim e Ketuvim. Equivale aos livros do Antigo Testamento.
[3] Midrash – Estudo e regras que mostram os vários níveis de interpretação bíblica, desde um simples contexto literal aos complexos segredos e revelações contidos na Palavra de Deus.
[4] Amém é um acróstico da frase em hebraico “El Melech Ne´eman” que significa “ Deus é fiel em suas promessas” ou bênçãos. Hoje temos mais de 8 mil promessas que podem ser cumpridas na pessoa de Jesus, Yeshua. ( II Co 1:20), pois Jesus é o Amém!